Austeridade, um conceito secular

19-10-2022

O conceito de austeridade, é referenciado por Aristóteles, pelo que já conta com 2500 anos de existência, estudo e dissertação, comecemos por aqui,

Aristóteles, filosofo, economista, politico, defendia um modelo de austeridade ético, ainda que o mesmo se consigna se aos assuntos económicos, assentava na ética da gestão dos recursos, Aristóteles, considerava que a humanidade deveria viver "uma vida boa", no seu trabalho "Éthica", Aristóteles, definia o modo ideal de vida da sociedade, e isso significava, austeridade, a definição de austeridade dada por Aristóteles, assentava na correcta e eficiente gestão dos recursos, na distribuição ética do consumo, e na poupança suficiente, a visão de Aristóteles, acerca do modo de vida da sociedade, para se tornar em uma vida boa assentava no consumo das artes, da cultura, da amizade, em detrimento da fruição de bens e materiais, Aristóteles considerava que, a acumulação de bens físicos e materiais, levaria a sociedade a um estado de ganância perpétua, e elevaria a luta pelo domínio físico e material do mundo, na linha de pensamento de Aristóteles, a Humanidade, se opta se pela ética, em detrimento dos bens materiais e físicos, alcançaria o seu real propósito terreno, o da vida plena, a tal vida boa, Aristóteles considerava que o consumo das artes, da cultura e da amizade, eliminava da sociedade o sentido de posse, e uma sociedade desprovida do sentido de posse, através da cultura, das artes e da amizade, seria uma sociedade, de conhecimento, de sabedoria e amistosa.

Aristóteles, viveu em um período de grandes diferenças societárias, podíamos afirmar, que Aristóteles, olhando para a estratificação da sociedade na altura, verificava os enormes fossos entre essa mesma estratificação, ou existiam afortunados materialmente, ou desafortunados materialmente, se por um lado a maioria da sociedade não disponha dos meios básicos de vivência, em contra ponto, uma minoria acumulava esses meios desnecessariamente, e julgava que, até através de uma austeridade ética, a sociedade podia tornar se mais homogénea, ainda que Aristóteles, não considerasse a irradicação dos afortunados, considerava que os afortunados, ao invés de poupar, deviam investir, não esperando desse investimento lucros esperados, mas sim modestos, e os menos afortunados, concentrar o seu consumo em necessidades básicas de vivência e na poupança modesta.

A austeridade, foi também dissertada por São Tomás de Aquino, com a fusão da austeridade e a via religiosa, no caso o Cristianismo, S. Tomás de Aquino, defendia uma vida (o próprio um mercador de sucesso, que se converteu à pobreza) austera, de acordo com os Escritos Sagrados, uma vida plena e perfeita, só era atingida pelo voto de castidade e pobreza, de acordo com o mesmo, as leis do Cristianismo, não estavam directa e intrinsecamente ao alcance de toda a sociedade, pois a mesma, dependia da vontade individual, de cada individuo viver uma vida de perfeição, sendo austero, ou uma vida votada ao pecado, imbuída na riqueza e luxuria, ainda que estes dois pontos se extremem, existia no pensamento de São Tomás de Aquino, estágios medianos, em que a austeridade menos severa, providenciava já uma vida sem grande pecado, consoante o nível de austeridade que o individuo se predispusesse.

Economia e religião, nunca foram grandes aliados, pelo que São Tomás de Aquino, é meramente um pensamento abstracto.

Aristóteles influenciou um grande número de pensadores das eras subsequentes, na definição de "Austeridade".

A austeridade da era moderna, recaí por exclusivo, sobre os menos afortunados, peguemos na crise 2008 - 2013;

- Crise do sub-prime, os mercados virtuais do crédito

- Crise da alta finança bancária

- Crise dos ratings soberanos;

A crise de 2008 - 2013, foi a crise dos afortunados, da banca, dos agiotas, dos esquemas em pirâmide, o sub prime de crédito, um mercado secundário de divida, sem grande regulação, o paraíso dos agiotas, implodiu, mas como implode um mercado, sem regulação, assente na virtualidade financeira?

Primeiro temos de entender o que é o mercado Sub-Prime, e como despoletou a crise;

O mercado secundário de crédito (sub prime), é a bolsa de trocas de títulos de crédito, o mercado foi criado para fornecer a curto prazo liquidez, aos titulares de hipotecas, com a venda antecipada do direito de cobrança, o titular original do crédito, cedia de forma onerosa, a um terceiro esse título, passando o terceiro interessado a ser o detentor do direito de cobrança.

A instituição que originalmente financiou um determinado projecto, no mercado secundário tem a oportunidade, não só de reaver o investimento, como continuar a lucrar com as taxas de serviço com a cobrança original, a cobrança ao detentor da divida inicial, é sempre da responsabilidade da instituição emissora do título primário, cabendo á instituição emissora do crédito inicial, o estorno do montante contratado com o terceiro interessado.

Em termos contabilísticos, esta jogada, permitia á instituição inicial, liquidar nos balanços esse montante a crédito, transformando-o em liquidez, para poder voltar a emitir crédito, sem que, existisse contra parte contabilística.

A responsabilidade da liquidação do crédito, mantinha se inalterada, a instituição emissora inicial, passava para uma posição de mero intermediário, e o direito do crédito estava nas mãos de terceiros.

O mercado secundário, permitia a espiral de especulação no crédito, a troca de títulos á velocidade da luz, e a criação virtual de dinheiro e disponibilidades, o montante inicial do crédito emitido, era sistematicamente inflacionado pela especulação, se o montante contratado inicialmente fosse de um dólar, esse mesmo contracto, numa questão de horas ou dias era inflacionado, digamos, que na primeira cedência, o mesmo já representava 1,05 dólares, isto era possível, graças ao rápido retorno das instituições originais, em liquidar os créditos nos balanços, e com isso proceder a novas emissões de crédito, na teoria, era um negocio autónomo, capaz de gerar receitas em suficiência, para não só cobrir, os termos concordados com terceiros, mas de providenciar o mercado com crédito barato, garantindo deste modo, o fluxo financeiro corrente.

Mas a teoria, quando posta em practica, necessita de ajustes, e quando a realidade bate de frente com a teoria, por norma, proporciona mais perguntas, do que respostas.

O percursor do problema, não foi o contraente do crédito, a base da pirâmide, mas o intermediário, o meio da pirâmide, e o terceiro, o topo da pirâmide, com a emissão excessiva e desregulada de crédito, as instituições iniciaram uma dificuldade na obtenção de receitas em suficiência, que lhes permitisse honrar os compromissos com o topo da pirâmide, com isto, o topo da pirâmide, entra em recessão, falência técnica, e falência total.

2008, foi a era da crise do capitalismo, o dinheiro sustentado na especulação, não foi uma crise da sociedade, o capitalismo criou, as condições necessárias, para derrubar a base da economia, aprisionando a sociedade, na espiral de crédito, controlando a sociedade com a escalada / descalada dos juros.

Na realidade, não na fantasia imposta, o custo do crédito emitido, na habitação por exemplo emitido em 2002, mas como a magia das conotações mercantis do crédito, o que custava 1% em 2002, pôde ser incrementada em mais 0,25%, por exemplo, no producto, que, já estava contractado, em decurso, e sem custos, além dos iniciais, no entanto, agiu se como se o produto, fosse emitido mensalmente, duvido que o beneficiário do crédito, visse a sua conta creditada mensalmente com algum valor, que sustenta se isso, ou que o emissor do crédito, liberta se os valores ao vendedor (da casa por exemplo) mensalmente.

Ainda que de forma vaga, fica a ideia.

A economia é um assunto engraçado, quando está em alta, a governance estatal e dos milionários para cima, são tipos e instituições exemplares, quando a economia não vale o ar que expele, a sociedade civil já não pode comer bifes, e aguenta, aguenta o aperto.

2008, trouxe novamente a austeridade a Portugal, justificava-se de sobre maneira, a implementação de medidas económicas, que permitissem, primeiro estancar a sangria da banca, depois a estabilização dos fluxos monetários e por fim, o planeamento da economia, que visa-se a sua recuperação, eram sem margem para dúvidas, necessárias medidas austeras em vigor, durante um período de tempo, que possibilita se a próxima fase da luta contra o sucedido.

Mas, contrariamente ao pensamento milenar da Austeridade, que contemplava a divisão equitativa das perdas e dos ganhos, um novo manual sobre a austeridade foi elaborado, e imposta a divisão substantiva das perdas, e a unificação substantiva de ganhos, este não é um manual de austeridade, mas sim de roubo, de espoliação, da sociedade civil, os tais que, não provocaram a crise, mas foram chamados ao seu pagamento.

A austeridade, deveria ser assimétrica, é que torna-la simétrica é, por definição própria, desigual, injusta, a assimetria, permitia nivelar localmente as medidas, ajustando-as aos sujeitos, pela medida de riqueza, culpa, crime, que ao caso, quem deveria sofrer as medidas mais duras da austeridade, deveriam ser os prevaricadores, tal não sucedeu, e tornou-se a austeridade, nem simétrica, nem assimétrica, mas sim um mote para a continuidade do roubo, do crime, as injecções de capital, para simular a liquidez bancária, foram, não uma medida austera, mas um prémio pelo crime, se a liquidez foi perdida pelos agentes bancários, nos seus negócios, no limite e aceita-se, que esses montantes provinham do capital nos depósitos em productos de risco, e não do capital estacionado em depósitos á ordem, nem na conta corrente do crédito emitido a particulares, é uma conta corrente, não um depósito, com todas as diferenças existentes, pelo que a banca não sofreu nenhuma medida austera, mas foi beneficiaria dos bens alheios, através da expropriação forçada.

A austeridade recaiu toda somente na sociedade civil, nem o estado fui alvo de austeridade nas suas políticas, pelo contrário, o estado, além de financiar um crime, cometeu dois crimes de uma vez só, sendo o segundo, a venda dos activos públicos (sector energético e dos transportes), capitalizando para si, verbas, que a curto e médio prazo eram insuficientes, e a longo prazo danosas ao aparelho económico, portanto a austeridade, que devia ser aplicada no sector estatal, foi inexistente, o estado financiou a boa vida dos prevaricadores do crime, delapidou património público, e aplicou as medidas austeras na sociedade, a base da pirâmide.

Faria sentido, ainda que incorrecto, a delapidação do património público, em prol da não aplicação de medidas austeras na sociedade, caso essa alienação do património, fosse suficiente para, resolver as duas primeiras fases do problema, deixando assim, a responsabilidade do desempenho económico, no mercado corrente, o mercado da sociedade, que, sem ser penalizado nos seus rendimentos, os recolocariam novamente na economia. Tendo sido o problema localizado, alta finança, era da responsabilidade do estado, garantir aos mercados correntes, a economia real, o seu normal fluxo, afinal de contas, quem aproveita um problema, para criar um ainda maior e de maior expressão económica?

A austeridade, é uma ferramenta económica de equilíbrio, não um uma ferramenta discriminatória, é a arte da providenciar uma vida boa, mas na totalidade da sociedade, não a uma descriminação, nem de mérito, nem aleatória, é para a totalidade da sociedade, e que preencha os requisitos gerais da vida em sociedade, é equitativa e não igualitária.

Nenhum plano de austeridade se aplica em práctica, e depois se alude desconhecimento das consequências, da mesma forma que, a um cidadão não se retira duas refeições ao dia, e se negue o conhecimento, de que irá emagrecer, como consequência do acto practicado.

Não existiu nenhum programa de austeridade, existiu um programa de emagrecimento da sociedade, simultaneamente, foram retiradas da equação económica, consumo e poupança na economia real, e injectado investimento no sorvedouro financeiro que criou o problema, a economia virtual, a alta finança.

Existe a possibilidade de aplicar o conceito austeridade, em um assunto não financeiro?

Sim existe, 2020 é o espelho da nova política de austeridade, fora do contexto económico, neste caso no contexto da saúde, entre a privação financeira de 2008 e a privação dos serviços de saúde em 2020 até 2022, os princípios basilares do programa estão espelhados, novamente, sobre a sociedade civil, a beneficiaria do SNS principal, aplicou se uma medida austera, a quase proibição do seu usufruto, impondo regras no seu acesso, e descriminando patologias, é o equivalente á sobretaxa imposta pela austeridade nos rendimentos, novamente, o estado tirou proveito da medida imposta, na forma de poupança, quando na realidade, ao estado competia reforçar os serviços, gastando e não poupando, especialmente gabar se da poupança, dois crimes novamente, mas a maior fatia do bolo, foi para a industria farmacêutica, pondo se a questão de serem os causadores da maleita, ou simples peças neste jogo.

A semântica de austeridade, foi completamente redesenhada para 2008, testada e aprovada, e elevou se a practica procedimental, para fora do espectro económico, ainda que, um pai possa ser austero com um filho, não se consideram austeras as medidas aplicadas ao filho, mas sim punitivas ou restringentes, a austeridade moderna, concebeu a faculdade, de impor obrigatoriamente um conjunto de medidas, indiscriminadas e igualitárias a uma sociedade, descriminando extractos sociais, entidades e corporações, o próprio Direito prevê, que na cominação por crimes perpetuados por um grupo de delinquentes, se apure a responsabilidade individual de cada um, e se aplique a cominação inerente ao grau do crime, podemos concluir que a austeridade aplicada em Direito é equitativa e não igualitária.

Por isto tudo, a austeridade moderna, não procura o equilíbrio, é nos tempos modernos, uma ferramenta de destruição, ao dispor ilimitado do seu detentor, que ao caso, o detentor do poder do uso da austeridade, está nas mãos, daqueles que a sociedade elegeu, para, e aqui o cómico do assunto, prevenir na sociedade o aparecimento de situações que impliquem, a austeridade.

Valter Marques


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